quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Outro Também Sou Eu

É atravessando uma paisagem longínqua que escutamos, no escuro, o reverberar de um desejo antigo, milenar, que viaja de uma habitação a outra, através  do tempo, utilizando-se destas ferramentas de
perpetuação da vontade: as construções arquitetônicas feitas de ossos, carne, artérias e veias. E é por meio dessa vontade que não se denomina e que é misturada a outras que contenham o mesmo teor que percebemos uma fala, como eco, uma reprodução que se amplia . Isso, na linguagem dos humanos, é traduzido como tentativa desesperada de desvendamentos.
Ao olhar o outro, medimo-nos. A imagem nos trai diante do delírio das formas caleidoscópicas que causam uma espécie de desconforto ao nos fazer perceber a volátil matéria que preenche a moldura de carne. E dizemos interiormente: o outro também sou eu.
Ao criarmos- qualquer que seja a matéria de criação-, sugamos ao mesmo tempo de um dado contexto, o veneno e seu antídoto, expulsando para o éter esses duplos que se complementam e se anulam. E é aqui  que, muito distantes das palavras, sabemos que tudo isso pertence a nós. E o que é extraído em direção a imaterialidade nos atrai, como o solfejo de uma sereia imaginada que abandona os reinos das águas mais frias e profundas para nos contar dos mistérios dos mundos perdidos e outrora habitados, mas que, no entanto, é resgatado pelos escafandristas que retiram dos armários submersos um grito de socorro  que se assemelha ao seu. Ao meu. É uma cópia sonora. Uma paisagem feita de sons. Nesse vácuo, encontramo-nos  e abolimos as diferenças, as línguas, as pátrias. E assim, dissolvemos os limites e amalgamamos o mais essencial de cada um. Ad infinitum.


texto escrito por Mauricio de Oliveira para "Os Duplos"